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TJMT afasta ICMS sobre “quebras técnicas” em exportações e cria precedente inédito no agronegócio

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) reconheceu que as chamadas “quebras técnicas”, pequenas variações de peso registradas no transporte e embarque de grãos, não configuram fato gerador de ICMS.
  • Categoria: Geral
  • Publicação: 09/10/2025 18:07
  • Autor: MIDIAJUR

Essas diferenças ocorrem naturalmente durante o percurso logístico das cargas, especialmente no transporte rodoviário, que responde pela maior parte do escoamento de commodities no país.

No trajeto até os portos, os grãos estão sujeitos à evaporação de umidade, variação de temperatura, poeira e movimentação física, fatores que provocam pequenas perdas de massa nas operações de exportação.

O julgamento ocorreu em um agravo de instrumento relatado pelo desembargador Mário Roberto Kono de Oliveira, da 2ª Câmara de Direito Público e Coletivo, que concedeu tutela antecipada para suspender a aplicação do artigo 7º, parágrafo 3º, inciso III, do RICMS/MT. O dispositivo vinha sendo usado pela Secretaria de Fazenda de Mato Grosso (Sefaz-MT) para autuar exportadores quando havia diferença de até 1% entre o peso da carga remetida e o efetivamente exportado.


Na prática, a decisão interrompe a cobrança de ICMS sobre perdas físicas inevitáveis nas exportações de soja, milho e algodão. O tema é sensível para o agronegócio mato-grossense, que concentra longos trajetos rodoviários até os portos de escoamento e lida diretamente com variações.

Na prática, a decisão interrompe a cobrança de ICMS sobre perdas físicas inevitáveis nas exportações de soja, milho e algodão. O tema é sensível para o agronegócio mato-grossense, que concentra longos trajetos rodoviários até os portos de escoamento e lida diretamente com variações.

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Como era antes

Até agora, a Sefaz-MT tratava essas diferenças de peso como perda de produto, aplicando o imposto sobre o percentual faltante e, em muitos casos, lavrando autos de infração milionários contra empresas do setor.

A prática era amparada pelo artigo 7º do regulamento estadual, que previa a incidência do imposto sobre perda, quebra ou deterioração de mercadorias. O setor produtivo sempre contestou esse entendimento, sustentando que as variações decorrem de fenômenos físicos e não de operações comerciais. Por isso, não há fato gerador tributável.

Com a liminar, o Poder Judiciário de Mato Grosso suspendeu os efeitos do dispositivo e reconheceu a probabilidade do direito invocado pelos contribuintes, afirmando que a cobrança viola a imunidade tributária das exportações.

A tese foi desenvolvida pelo escritório Gargaglione & Costa Advogados, sob coordenação da sócia Lorena Gargaglione e da advogada tributarista Bárbara Daré. É a primeira decisão conhecida no estado de Mato Grosso a afastar a aplicação do dispositivo em favor de uma operação de exportação, reconhecendo que as quebras técnicas não caracterizam circulação de mercadoria.

O entendimento rompe um padrão histórico da Justiça tributária, que costumava manter a presunção fiscal de que toda perda representava uma operação interna. O relator baseou a decisão na ausência de transferência de titularidade, no caráter natural das variações de peso e na violação do princípio da capacidade contributiva.

“Essa decisão representa um marco para o agronegócio exportador brasileiro”, afirma Lorena Gargaglione, sócia do Gargaglione & Costa. “Pela primeira vez, um tribunal estadual reconhece juridicamente o que o setor vive no dia a dia: as quebras técnicas são inevitáveis em um país que transporta a maior parte de suas commodities por rodovia, sob diferentes condições de clima e distância. O TJMT corrige uma distorção que penalizava produtores e exportadores por algo fora do controle humano.”

Impacto econômico no agro

O agronegócio mato-grossense, responsável por quase 30% das exportações brasileiras de soja, vinha arcando com autuações baseadas em diferenças médias inferiores a 0,5% do peso embarcado, variações consideradas normais em padrões internacionais de exportação.

Tributaristas estimam que essas cobranças tenham movimentado dezenas de milhões de reais em autos de infração nos últimos anos, elevando custos operacionais e reduzindo a competitividade das exportações brasileiras.

Para Bárbara Daré, a decisão do TJMT traz segurança jurídica e reforça a competitividade do setor. “Ao reconhecer que não há fato gerador na perda física, o Tribunal protege a lógica das exportações e o princípio da imunidade tributária. A incidência de ICMS sobre variações de peso tornava o produto mato-grossense menos competitivo e distorcia o mercado frente a outros estados exportadores”, avalia.

O que diz a lei

Constituição Federal, art. 155, §2º, X, ‘a’ – veda a incidência de ICMS sobre exportações e remessas com fim específico de exportação.
Lei Complementar 87/1996 (Lei Kandir) – assegura a imunidade tributária nas operações de saída destinadas ao exterior.
RICMS/MT, art. 7º, §3º, III – previa a incidência do imposto sobre perdas e quebras, dispositivo suspenso pela decisão do TJMT.

Efeitos e próximos passos

A decisão tem efeito imediato e impede novas autuações até o julgamento do mérito. As advogadas acreditam que o precedente possa influenciar tribunais de outros estados, especialmente em Goiás, Paraná e Bahia, onde o tema também é discutido administrativamente.

Especialistas avaliam que o precedente pode balizar futuras interpretações do Superior Tribunal de Justiça e abrir caminho para uma uniformização nacional sobre o tema. Caso o entendimento seja mantido, deve redefinir o tratamento fiscal das exportações agrícolas e reforçar a previsibilidade tributária do agronegócio brasileiro, setor que representa cerca de 25% do PIB nacional, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).